JÚLIO BUENO
Quem sempre acompanhou o nosso movimento e o nosso ideário, há 30 anos, sabe que o espectro político da assim chamada direita sempre foi predominante. Não que influências dissidentes não se fizessem presentes. O aspecto anárquico do federalismo, autonomia e descentralização sempre esteve presente. É o resultado do liberalismo primevo e quase inocente, uma resposta ao autoritarismo do estado brasileiro, de Getúlio e dos militares. Talvez esse sentimento não tenha se disseminado tanto quanto deveria. Confesso que sou partidário dessa visão um pouco idílica de separatismo, que pensa na autonomia política, na cidadania verdadeiramente participativa, com democracia local, direta, com variedade e multiplicidade regional. Na variedade está assentada a autonomia. Se todas as regiões e povos fossem iguais, sem diferenças, a autonomia seria desnecessária, pois uma só lei, uma só regra universal bastaria à todos. Essa não é realidade. A realidade é a diversidade das culturas regionais. suas formações e constituições históricas. Diante dessa variedade, a necessidade da autonomia se impõe, seja do estado perante ao país, do município perante o estado e dos bairros diante das cidades. A verdadeira democracia é aquela exercida no condomínio, na rua, na vila e nem sempre é resultado de uma votação nominal, mas da dinâmica advinda de uma participação espontânea e livre.
O Separatismo Paulista é também, de alguma forma, elitista. No século XIX, quando o leitor faz um exame detalhado do livro "A Pátria Paulista", de Alberto Sales, pode observar que a excepcionalidade Paulista é fruto de uma ação destacada dessa "raça de gigantes", como chamava Alfredo Ellis Júnior ao "Paulista Velho", o quatrocentão, o filho da elite da terra, formada aqui desde o século XVI. Com todas as dificuldades que a natureza indômita apresentava ao colonizador, ele soube construir no Planalto Piratiningano e em São Vicente uma república de per si. Era terra abandonada e pouco valorizada pela Coroa Portuguesa, que não julgava ser São Paulo local tão atraente para obter maiores divisas. Não cabia comparação frente à riqueza que a exploração agrícola da cana de açúcar da região nordeste proporcionava. No princípio o desbravar das terras mais ao sul ficou com a empresa privada, com as bandeiras, de captura de indígenas e de exploração mineral. O sonho do Eldorado Paulista, o Sabarabuçu de que falavam os índios, terra sem males, acendia os ânimos dos exploradores. Era um sertão cheio de feras, índios, pestilências, clima quente. Um grande desafio para qualquer europeu que aqui aportasse. Quando os Paulistas encontraram as riquezas auríferas em nosso território, logo a inveja e a cobiça dos nascentes brasileiros e de seus comparsas lusos correu para agir contra o interesse Paulista. Essa disputa pelas regiões mineiras, que desagua na Guerra dos Emboabas, onde ficou marcado para sempre na nossa história a negra página do Capão da Traição, sinal indelével do espírito traiçoeiro e anti-Paulista que já estava presente nos moradores de outras regiões da América Portuguesa.
De fato, desde a época colonial, uma elite se formou em São Paulo. Mais numerosa do que os historiadores materialistas gostariam de imaginar. Tratamos de elite não falando em luxos e grandiosas riquezas, mas sobretudo da riqueza do maior ativo que o indivíduo pode dispor: a riqueza de sua liberdade. Os Paulistas eram livres, sabiam operar com autonomia, diante das dificuldades da geografia e da postura que a metrópole lusitana tinha conosco. Sabíamos operar de maneira autônoma, inclusive frente ao mercado interno, consumidor ávido de produtos agrícolas de São Paulo, em especial no século XVIII (mas já desde o XVII), época de glória e fausto da civilização caipira do ouro e esmeraldas, formada em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Foi uma época em que em São Paulo havia carência de homens e abundância de mulheres. Nesses tempos o matriarcado foi forte por aqui. A Civilização Paulista era madura o suficiente para ter uma democracia coroada, formada de uma elite de homens bons, que em algum momento teve também uma prefiguração da participação de mulheres de bens, das matronas bandeirantes que tocavam a roça e o rancho quando os seus maridos viravam de ponta cabeça todo o sertão, a pé e no lombo de mulas. Assim é que se formou a ampla elite Paulista: pelo engenho, pela empresa, pela autonomia e pela identidade de que se é nascido nas mais antigas terras da Paulistânia. Assim se forma a Nação Paulista. Se fosse essa identidade inexistente, não teria sido possível aclamar nosso rei, o sevilhano Amador Bueno I. Não teria ocorrido a Guerra dos Cães Traiçoeiros.
Cinco séculos de história da Pátria Paulista. Cinco séculos da Nacionalidade Paulista. Cinco séculos de permanente guerra com o Brasil. Pois a verdade é essa, toda afirmação se dá perante ao inimigo, ao adversário, ao diferente. O contrário de São Paulo é o Brasil. Em 2022 ainda gastamos nosso tempo com as intrigas falsas, de aparências, das facções políticas que controlam as instituições de São Paulo e de Brasília, perdemos tempo, perdemos dinheiro e gastamos a nossa alma com problemas que não são nossos. Cabe a nós cuidar e zelar do nosso povo e da nossa cultura. O ideário de liberdade, autonomia e responsabilidade sempre teve aqui seu reinado. Se perdeu parcialmente e deve ser completamente restituído. Não podemos temer a transposição de qualquer muro que se interponha diante do nosso ideário de liberdade. Retomar o senso e o espírito de elite dos primeiros Paulistas é um dever. Essa elite não é proveniente da riqueza material e pecuniária, antes do amor à nossa liberdade.
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