16/01/2016 REPRODUÇÃO
Federação é forma de Estado que visa a manter reunidas autonomias locais. Autonomias locais são localidades intraestaduais que têm peculiaridades próprias, diversas de outras localidades. A tendência natural dessas autonomias, baseadas em suas identidades, é se governarem a si próprias.
É para mantê-las unidas que ganha força a tese do Estado Federal. Há um governo central (União) e governos regionais (Estados, municípios). O governo central tem uma sede física, que é o Distrito Federal. No nosso sistema os municípios fazem parte da federação. Na verdade, o nosso Estado é uma federação de municípios.
Antes mesmo da Constituição de 88, os municípios já legislavam sobre os assuntos de seu peculiar interesse. Mas foi a partir de 1988 que passaram a integrar, juridicamente, o conceito federal. É uma peculiaridade do sistema constitucional brasileiro. O Estado Federal pode surgir naturalmente, ganhando definição jurídica, ou artificialmente, também adquirindo a mesma definição. Veja-se o caso da federação suíça: a união de cantões significou a reunião de autonomias locais, e fortíssimas, tanto que até os idiomas são diversos, alemão, francês e italiano.
A federação americana também nasceu pela união de Estados soberanos. As 13 colônias que se liberaram da dominação inglesa em 1776 formaram Estados individualizados. Cada qual, soberano. Ao depois, em 1787, é que se constituíram numa federação. De soberanos passaram a autônomos politicamente com uma sede física dessa junção, que era o distrito de Columbia. Essa verdade transparece em sua denominação: Estados Unidos da América. Eram Estados soberanos que abriram mão de sua soberania.
E é tão forte a federação americana que em matéria penal, por exemplo, os Estados definem suas regras: alguns adotam pena de morte e outros, não. São dois exemplos de federações que se organizaram juridicamente, mas cujo nascimento se deu com muita naturalidade.
No Brasil o artificialismo foi a marca do surgimento da federação. Nasceu do Decreto n.º 1, de 15 de novembro de 1889, que proclamou a República e a federação como forma de Estado. Este até então era unitário, revelando a nossa vocação para centralização do poder. Desde o Brasil colônia foi assim. Veja-se o caso das capitanias hereditárias, seguidas dos governos gerais e, no Império, Estado Unitário. Tudo centralização.
Quando se instalou a federação daquela maneira artificial, perdurou ela, sem nenhuma integridade, até 1930, quando a vocação brasileira pela concentração do poder gerou Estado quase unitário que perdurou até 1945. Nova redemocratização e a esperança de uma federação inteira, o que não ocorreu. Deu-se nova concentração a partir de abril de 1964, que seguiu até 5 de outubro de 1988.
Com a nova Constituição esperançou-se o País, achando que se estabeleceria efetivamente uma federação. Mais uma decepção. A concentração de recursos e de competências continuou com a União. Tanto que Estados e municípios, de fora parte, alguns recursos tributários que recebem por conta própria dependem da distribuição via União. Municípios vivem à míngua e Estados, na penúria.
Precisamos de um Estado Federal verdadeiro, efetivo, observando as nossas dimensões continentais e a diversidade dos hábitos, costumes e necessidades de cada localidade. O conceito de peculiar interesse municipal, repito, sempre pautou os textos constitucionais do País.
De outro lado, verifica-se que não adianta distribuir competências sem recursos suficientes para cumpri-las. Tudo isso está a exigir reforma constitucional que repactue a federação brasileira, na convicção de que a descentralização do poder, com recursos e competências, fortalecerá as entidades federativas.
Aqui vale a pergunta: qual a utilidade de termos uma verdadeira federação? A primeira ideia é de que o espaço físico ocupado pelo cidadão, primariamente, não é a União nem o Estado, mas o município. Município forte é a base para o desenvolvimento do País. É claro que não pensamos, numa reforma, tratar igualmente todos os municípios. Há aqueles aos quais não basta permitir-lhes recursos fruto da arrecadação própria. Municípios mais carentes continuarão a depender de um fundo de participação municipal. Essa concepção é compatível com a tese das diversidades locais e o artigo 3.º, III, da Constituição, que determina política nacional capaz de reduzir as desigualdades regionais.
De outro lado, a descentralização trará a melhoria da gestão pública e a possibilidade de um combate mais direto e objetivo a todo e qualquer desvio administrativo, além de conferir maior responsabilidade aos dirigentes das entidades federativas. Em vez de todos ficarem à espera da União, cada qual dependerá de si próprio.
Registre-se que uma verdadeira reforma tributária jamais conseguiu ser efetivada porque está umbilicalmente ligada à repactuação federativa. Se esta vier, trará no seu interior, com muita naturalidade, a reforma tributária, porque estaremos tratando da redivisão de recursos e competências.
A ênfase que queremos dar a estas anotações é de que é fundamental a elevação da autonomia municipal ao patamar de uma das principais entidades federativas. E nada mais oportuno do que o presente momento, tendo em vista que este é o ano das eleições para prefeitos e vereadores. Durante a campanha e por todo o tempo e em todos os espaços é importante que se divulguem essas ideias para que, em breve tempo, possamos alcançar a redivisão das competências e dos recursos, tal como estamos propondo.
Será fácil realizar esse ideário? Não me parece que seja. O PMDB já lançou sua Ponte para o Futuro, documento que tratou, primordialmente, dos aspectos econômicos do País, cujas ideias surgiram e foram pregadas à vista das dificuldades da economia. Documento ousado, reconhecemos, mas que o Brasil deve continuar a debater.
Rediscutir a federação é maneira de continuar a discutir grandes temas nacionais. Impõe-se inaugurar o debate na convicção de que o Brasil não pode continuar a ser um Estado Unitário disfarçado de Estado Federal.
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