segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

O Pequeno Exército Paulista.

Reproduzimos na sequência parte do primeiro capítulo do livro do jurista Dalmo de Abreu Dallari "O Pequeno Exército Paulista".

Iniciamos pela transcrição da orelha:

"O peso político do Estado de São Paulo na federação brasileira está longe de corresponder ao seu peso econômico. Já houve um período, entretanto, em que os paulistas gozavam de verdadeira autonomia. E para tanto não se valiam apenas de sua força econômica, mas seus governos tinham o apoio de um forte dispositivo policial-militar. As variações do efetivo dessa força e sua posição no orçamento estadual permitem localizar os momentos em que São Paulo precisou lutar por sua autonomia e dispôs-se a isso. O desenvolvimento dado por Dallari a esses temas leva à conclusão de que talvez não seja por simples coincidência que a mudança de natureza da polícia militar de São Paulo ocorre no mesmo momento em que se acentua a perda de expressão política dos paulistas no quadro brasileiro."

São Paulo no quadro brasileiro

1 - O homem Paulista

1. Desde os primeiros tempos da vida brasileira, no século XVI, São Paulo teve uma posição peculiar entre as regiões e os povos do Brasil. Logo cedo, por motivos ainda não fixados com precisão, verificou-se que o povo habitante dessa parte do novo território português adotava atitude de independência, criando um sistema de vida próprio, sem levar muito em conta o que ocorria em Portugal, nem para a organização de seu governo, nem para a disciplina de suas relações jurídicas. E os Paulistas, desde o início, foram revelando uma forte determinação, uma extraordinária capacidade empreendedora, que decorria de um misto de ambição e desejo de aventuras.

Com o passar dos séculos aquelas características foram-se acentuando, adquirindo, entretanto, tonalidades novas em face de cada momento histórico. Como consequência, sobretudo, dessa forte personalidade e dessa capacidade de adaptação ao meio, verifica-se no correr do tempo, em São Paulo, um desenvolvimento econômico bem mais acentuado do que no resto do território brasileiro. E, enquanto que nas outras regiões se esperava quase sempre a iniciativa do governo para qualquer empreendimento de maior vulto, os Paulistas realizavam com recursos privados o seu potencial econômico.

Em meados do século XIX, quando a economia brasileira era de fundamento exclusivamente agrário, há um momento em que duas áreas, com características absolutamente diversas, lutam pela supremacia: de um lado a região nordeste, apoiada no cultivo da cana de açúcar e mantendo uma estrutura agrária de base escravista, pouco rendosa, com os senhores auferindo mais prestígio da extensão da terra possuída do que da renda obtida. De outro lado o centro-sul, especialmente São Paulo, apoiado já na cultura do café e, embora utilizando o braço escravo, dinamizado por uma ambição de ganho, em função da qual os senhores da terra se preocupavam, desde então, com a conquista de mercado consumidor e a melhora do produto. Isto fez com que São Paulo, ao contrário do nordeste, tivesse uma base econômica mais sólida e, portanto, mais capaz de se adaptar à transição do sistema apoiado no trabalho escravo para o sistema do trabalhador livre e assalariado.

Numa tentativa de explicação das diferenças de características entre os Paulistas e os brasileiros de outras regiões, o sociólogo Gilberto Freyre, aceitando uma espécie de determinismo geográfico, chega à seguinte conclusão: "No caso dos Paulistas, é possível que a terra roxa e outras terras que compõem o solo da região, tenham que entrar não só na história econômica como na social e antropológica daquele tipo enérgico, mas taciturno e calado de brasileiro" (Problemas Brasileiros de Antropologia, Rio de Janeiro, 1943, página 130). E mais adiante ele observa que, além dos determinismos geográficos e geológicos, outros fatores naturais devem ter influído sobre os caracteres biológicos e psicológicos dos Paulistas, acrescentando: "Ao casticismo Paulistas, ao individualismo do bandeirante, ao seu gosto de aventura, de expansão, de iniciativa e, ao mesmo tempo, ao seu tempo, ao seu gênio tão oposto ao do baiano, ao do cearense ao do gaúcho, talvez se liguem distúrbios felizes, bons exageros de atividades de glândulas endócrinas relacionados, por sua vez, com a composição mineral do solo regional. Felizes e bons do ponto de vista do desbravamento e da autocolonização de larga parte do Brasil por homens tão intrépidos, por híbridos sociologicamente tão vigorosos" (ob. cit., pág. 132).

Sejam quais forem as razões verdadeiras ou predominantes, o fato é que essa diferenciação, entre os Paulistas e os demais brasileiros, já pode ser percebida no século XVIII e está perfeitamente definida no início do século XIX.

Tal situação influiu para que os imigrantes estrangeiros, chegados ao Brasil após a proibição da importação de escravos e, em maior número, depois da abolição da escravatura em 1888, preferissem trabalhar em São Paulo, onde, a par de um clima temperado e de terras férteis, havia já uma força econômica muito dinâmica em atividade. Essas mesmas razões atraíram para São Paulo muitos imigrantes de outras regiões brasileiras, criando-se uma sociedade cosmopolita, mas preservando-se o dinamismo e a auto-suficiência.
Dalmo Dallari


2. Sobre as condições que favorecessem o desenvolvimento de São Paulo no fim do século XIX, atraindo grande número de imigrantes, bem como sobre a influência destes na aceleração do desenvolvimento, é interessante a síntese feita por Caio Prado Júnior. Diz ele que a concentração da indústria em São Paulo, no começo do século XX, foi devida à conjugação de vários fatores favoráveis que aí se encontraram. O principal desses fatores, em sua opinião, foi o progresso geral do Estado, graças ao desenvolvimento sem paralelo de sua lavoura cafeeira, trazendo riqueza à população. A imigração concorreu para o êxito trazendo a habilitação técnica do trabalhador europeu, muito superior ao brasileiro que acabava de sair de um regime de escravidão ou de quase escravidão. Por último, outro fator de grande importância foi a abundância de energia hidráulica, logo aproveitada para a produção de eletricidade, servindo a capital do Estado e outras cidades próximas. Assim é que no ano de 1901 já se encontra em funcionamento a primeira usina Paulista produtora de energia elétrica, pertencente a uma empresa internacional com sede em Toronto, no Canadá, e que produz de início 8.000 HP. Essa empresa - identificada como "Light" em documentos oficiais e estudos, pelo uso abreviado de seu nome - se desenvolveria bastante e exerceria grande influência na vida Paulista, desde então até o presente, pois continua a ter o monopólio da produção e distribuição de energia elétrica na região de São Paulo (conf. Caio Prado Júnior, História Econômica do Brasil, São Paulo, 1949, vol. II, pág. 268). Quanto à preferência dos imigrantes pelo sul (incluindo centro-sul) do país, é oportuno lembrar, como bem observa o historiador Edgar Carone, que São Paulo recebe também grande número de imigrantes de outras partes do país, sobretudo fugitivos das calamidades naturais e sociais do nordeste (conf. Revoluções do Brasil Contemporâneo, São Paulo, 1965, pág. 2). Era natural, portanto, que os imigrantes estrangeiros também procurassem as regiões mais favoráveis, como ocorreu.

Finalmente, sob o impacto das duas guerras mundiais deste século, São Paulo passou da economia agrária para a economia industrial, criando e desenvolvendo um ativo parque industrial, sem perder sua importância como produtor rural, o que veio acentuar, ainda mais, sua superioridade econômica no quadro brasileiro, E as forças econômicas internacionais foram sensíveis às possibilidades de São Paulo, estabelecendo aí um dos mais vigorosos redutos da América Latina.

Todo esse conjunto de circunstâncias, todas essas características da sociedade cosmopolita que vive em São Paulo, numa ânsia permanente de progresso , isso tudo fez com que Paulo Bonfim, um dos mais importantes poetas Paulistas contemporâneos , dissesse que "Paulista é, antes de tudo, um estado de espírito", para acentuar a existência de aspectos peculiares que identificam o povo que vive em São Paulo, independentemente da origem de cada um.

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