"Em nosso tempo, a nobreza, as elites são conceptualmente mumificadas na carcaça das coisas absorvidas pelos novos tempos. A democracia, que veio a se espalhar pelo mundo, na esteira das revoluções americana e francesa, essa democracia patrocinadora da igualdade utópica; o delírio aventureiro dos chefes, como Mussolini, Hitler, Stalin, Mao e outros; os terroristas de todos os naipes; a massa das sociedades contemporâneas dominadas pelos meios de comunicação, refugaram o conceito de nobreza para as lixeiras da História. À consciência moderna repugnaria a distinção da qual o autêntica sentido de nobreza se faz acompanhar.
Não obstante o furor revolucionário de nosso tempo, a nobreza é fato natural das sociedades, e só lhe fazem oposição a guerra revolucionária, a subversão endêmica de que sofre o mundo, desde a era das revoluções. Recuando no tempo, vamos encontrar a nobreza não deformada pelo processo revolucionário, constituindo uma das ordens do reino, a que deveria, com o rei, governar. Essa ordem transferiu-se para o Brasil, instalou-se - para o que nos interessa - em São Paulo, difundiu a sua psicologia, expandindo-a na linha do ideário histórico da monarquia portuguesa, e veio suscitar o que convencionamos chamar de "espírito paulista" ou "espírito bandeirante". É nesse fulcro remoto que devemos ir faiscar as origens grandiosas de nossa vibrante civilização, a ousadia e coragem das bandeiras, o ascetismo da colonização, onde não se encontra o menor laivo de conforto, na abnegação e na renúncia de gente que se sabia imbuída de altíssimo dever, o de ampliar o império português e defender a fé de Cristo.
Não se pode cortar o passado, sob pena de não se saber para onde ir no futuro. Se quisermos ser fiéis a nós mesmos, se quisermos cultuar a fidelidade como princípio, devemos reconhecer e proclamar a verdade histórica, essa de que a a concepção sobranceira da vida palpita, subjacente, na formação dos Paulistas."
"Não concordamos com Afonso d'Escrangnolle Taunay, para quem os dois principais móveis da conquista do território pelos paulistas foram o tráfico de escravos e a pesquisa de metais preciosos. Um e outro eram móveis, sem dúvida, mas, acima deles, pairava, latente, o chamamento da dilatação da fé e do império, esse "inconsciente coletivo", que levou os paulistas para o interior. Moralmente, psicologicamente, o português cristão-velho nunca foi ávido no apetecer riquezas consideráveis. A rala população do planalto bastava-se nos grandes domínios rurais que se foram, progressivamente, formando, no planalto e do planalto na direção de Jundiaí e Campinas. Numa terra destas, em que "não há pobre que não seja farto com pouco trabalho", como diz Oliveira Vianna, o paulista queria a participação do índio na sua empresa, para melhor realizá-la, e, aspirando ao encontro das minas, sonhava com o El Dorado, essa fantasia do Renascimento, à qual o ouro do Perú, explorado pelos espanhóis, deu cunho de realidade.
Mas não se pode reduzir a obra colonizadora e civilizadora dos paulista à exclusiva ambição econômica, que se estará, anacronicamente, dando razão à tese de Marx. No exemplo paulista de civilização, a economia foi o epifenômeno da posse política de uma nova terra, a sua conquista e o seu povoamento."
SCANTIMBURGO, João. Os Paulistas. São Paulo: Imprensa Oficial.
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