sábado, 25 de dezembro de 2021

Amador Bueno da Ribeira, herói dos Paulistas.

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Suas obras em prol de S. Paulo conferem a Amador Bueno o título de herói dos paulistas, entretanto o episódio ocorrido em 1641 é um dos que mais suscitam sua memória: a aclamação do rei dos paulistas.

A princípio um olhar insipiente nos leva a inferir uma conclusão errônea: ele não recusou, na verdade, a autonomia que sempre clamaram os paulistas? O que de fato se passou foi que se Amador Bueno consentisse com sua aclamação não estaria desvencilhando-se de uma coroa, mas sim submetendo-se à outra numa trama conduzida pelos espanhóis.

Abaixo, um importante relato de Frei Gaspar sobre o ocorrido publicado em suas "Memórias para a História da Capitania de S. Vicente Hoje Chamada de S. Paulo".

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176. Chegando a S. Paulo a notícia de que Luís Dias Leme havia aclamado Rei na Vila Capital de S. Vicente ao Sereníssimo Senhor Duque de Bragança com o nome de D. João IV, por ordem e recomendação que para isso lhe dirigira em carta particular D. Jorge Mascarenhas, Marquês de Montalvão e Vice-Rei do Brasil foi esta inesperada novidade um golpe sensibilíssimo aos espanhóis que se achavam estabelecidos e casados na dita Vila de S. Paulo, para onde tinham concorrido não só da Europa, mas também das Índias Ocidentais. Eles desejavam conservar as Povoações de Serra acima na obediência de Castela e não se atrevendo a manifestar seu intento, por conhecerem que seriam vítimas sacrificadas à cólera dos paulistas, se lhes aconselhassem que permanecessem debaixo do aborrecido julgo espanhol, resolveram entre si usar de artifício, esperando conseguir, por meio da indústria, o que não haviam de alcançar, se fossem penetrados os seus desígnios.

177. Tinham por certo que a Capitania de S. Vicente e quase todo o sertão brasílico antes de muitos anos tornariam a unir-se às Índias de Espanha, ou pela força das armas ou pela indústria, se os paulistas caíssem no desacordo de se desmembrarem de Portugal, erigindo um Governo separado, qualquer que ele fosse, suposta a comunicação que havia por diversos rios entre as Vilas de Serra acima e as Províncias da Prata e Paraguai. Com estas vistas, fingindo-se penetrados do amor ao país onde estavam naturalizados e do zelo do bem comum, propuseram aos seus amigos, parentes, aliados e a outros, um meio que lhes pareceu o mais seguro, para conseguirem os seus intentos: tal era o de elegerem um rei paulista; e ao mesmo tempo apontaram como o mais digno da Coroa Amador Bueno de Ribeira, em cuja pessoa, para não ser rejeitado pelos seus patrícios, concorriam as circunstâncias de ser de qualificada nobreza e de muito respeito e autoridade pelos empregos públicos que havia ocupado e ainda exercia, pela sua grande opulência, pela roda de parentes, e amigos, e pelas alianças de seus nove filhos e filhas, duas das quais estavam casadas com dois irmãos, fidalgos espanhóis, D. João Mateus Rendon e D. Francisco Rendon de Quevedo, que tinham passado ao Brasil, em 1625, militando na Armada Espanhola, destinada para a restauração da Bahía. Mas os espanhóis, em designarem Amador Bueno de Ribeira, se lisonjeavam que por ser filho de Bartolomeu Bueno de Ribeira, natural de Sevilha, produziria nele maior efeito o sangue de seus avós paternos, para vir a declarar-se maior efeito o sangue de seus avós paternos, para vir a declarar-se vassalo de Espanha, do que o herdado dos seus ascendentes maternos, da nobre Família dos Pires, e o ter nascido em uma província portuguesa para haver de seguir o legítimo partido das outras do Brasil, Reino e Conquistas.

178. Valeram-se os espanhóis de todos os argumentos possíveis para persuadirem aos paulistas e europeus pouco instruídos, que, sem encargo de suas consciências, nem faltarem à obrigação de honrados e fiéis vassalos, podiam não reconhecer por Soberano a um príncipe a quem ainda não haviam jurado obediência. Fomentavam ao mesmo tempo a vaidade dos ouvintes, exagerando o merecimento dos paulistas e europeus principais, e dizendo que as suas qualidades pessoais e nobreza hereditária os habilitavam para outros maiores impérios. Para os livrarem de temores, lembraram os milhares de índios seus administrados e escravos com que podiam levantar Exércitos formidáveis de muitos mil combatentes e a situação de S. Paulo, sumamente defensável e tão vantajosa nesse tempo, que por haver para os portos de mar tão somente a estrada de Paranapiacaba, de qualidade muito má, bastaria lançarem-se pedras pela serra abaixo, para se retirarem derrotados os expugnadores.

179. Eram sinceros os moradores de S. Paulo, e, ainda fiéis, bem poucos entre eles teriam a instrução necessária para conhecerem o Direito incontestável da Sereníssima Casa de Bragança ao centro, e para perceberem os laços e as funestas desgraças em que aquelas maquinações os iam precipitar. Além disso, a plebe em toda a parte é fácil de mover-se e de arrojar-se a excessos. Os espanhóis conseguiram seduzí-la e ajuntar um grande número de pessoas de todas as classes que, aclamando unanimemente por seu Rei a Amador Bueno de Ribeira, concorreram cheios de alvoroço e entusiasmo, à sua casa a congratular-se com ele.

180. Pasmou Amador Bueno de Ribeira quando ouviu semelhante proposição: ele detestou o insulto dos que a proferiram e com razões procurou dar-lhes a conhecer sua culpa e cega indiscrição. Lembrou-lhes a obrigação que tinham de se conformarem com os votos de todo o Reino e a ignomínia de sua Pátria, se não reparasse a tempo com voluntária e pronta obediência o desacerto de tão criminoso atentado. Mas a repugnância do eleito aumenta a obstinação do povo ignorante: chegam a ameaça-lo com a morte se não quiser empunhar o cetro. Vendo-se nesta consternação o fiel vassalo, saiu de sua casa furtivamente e, com a espada nua na mão para se defender, se necessário fosse, caminhou apressado para o Mosteiro de S. Bento, onde intentava refugiar-se. Advertem os do concurso, que havia saído pela porta do quintal, e todos correm após ele, gritando: viva Amador Bueno, nosso Rei: ao que ele respondeu muitas vezes, em voz alta: viva o Senhor D. João IV, nosso Rei e senhor, pelo qual darei a vida.

181. Chegando Amador Bueno de Ribeira ao Mosteiro, entrou e fechou rapidamente as portas. Como os paulistas antigos veneravam sumamente aos sacerdotes, principalmente aos Regulares, nenhum insultou ao Convento e todos pararam da parte de fora, insistindo porém na sua indiscreta pretensão. Desce à portaria o D. Abade, acompanhado da sua Comunidade, e, com atenções entreteve a multidão, enquanto Amador Bueno de Ribeira mandou chamar à pressa os eclesiásticos mais respeitáveis, alguns sujeitos dos principais que se não achavam no concurso. Vieram logo uns e outros, e todos unidos ao dito Bueno fizeram compreender aos circunstantes que o Reino pertencia à Sereníssima Casa de Bragança e que dele se acharia esta em posse pacífica desde o dia da morte do Cardeal Rei D. Henrique, se na violência dos monarcas espanhóis não houvera sufocado o seu Direito.

182. Nada mais foi necessário para se conduzirem aqueles fiéis portugueses como deviam: todos arrependidos do seu desacordo, foram cheios de gosto aclamar solenemente o Senhor D. João IV, com mágoa dos espanhóis, os quais, para não perderem as comodidades que tinham vindo procurar em S. Paulo, prestaram também o juramento de fidelidade ao mesmo Soberano. Para beijarem a Real Mão de S. Majestade Fidelíssima, em nome do Senado e moradores de S. Paulo, foram mandados à Corte os dois paulistas: Luís da Costa Cabral e Baltasar de Borga Gato; e o mesmo Senhor se dignou agradecer esta obediência, por Carta firmada do seu Real Punho, datada em Lisboa a 24 de setembro de 1643 (170).

183. A substância do referido caso se confirma com as palavras de Artur de Sá e Menezes, Capitão General da Repartição do Sul e Governador da Companhia dos Oficiais de guerra reformados, Juízes e Vereadores que tivessem servido na Câmara de S. Paulo, por ele passada a Manuel Bueno da Fonseca, e datada aos 3 de março de 1700, na qual depois de relatar alguns serviços do mesmo, diz o General (171):

“E quando não bastárão estes serviços, era merecedor de grandes cargos, por ser neto de Amador Bueno, que sendo chamado pelo Povo para acclamarem Rei, obrando como leal, e verdadeiro Vassallo, com evidente perigo de sua vida clamou, dizendo que vivesse ElRey D. João IV seu Rey, e Senhor, e que pela fidelidade, que devia de Vassallo, digno de grande renumeração, hei por bem nomear...”

184. Esta patente foi confirmada pelo Senhor Rei D. Pedro II, a 25 de novembro de 1701, e nela, depois de se relatarem os serviços e merecimentos do mesmo Manuel Bueno da Fonseca, se dignou S. Majestade honrar a memória daquele grande homem, com as seguintes expressões: E ultimamente por ser neto de Amador Bueno, leal e verdadeiro Vassalo de minha coroa (174).

Também o Senhor Rei D. João V no alvará que se passou a 20 de novembro de 1704, para efeito de ser armado Cavaleiro da Ordem de Cristo o referido Manuel Bueno, faz uma igualmente honrosa comemoração do mesmo respeitável paulista: Por ser neto do meu muito honrado, e leal Vassalo Amador Bueno (173). Pela tradição constante entre todos os antigos e alguns modernos desta Capitania, sabem-se as mais circunstâncias principais do mencionado sucesso o qual eu refiro com gosto, não pela honra de contar entre os meus terceiros avós ao dito Amador Bueno, mas sim para propor ao mundo um exemplo da mais heroica fidelidade; e porque os paulistas, conservando na memória estas e outras gloriosas ações dos seus Maiores, continuem a mostrar em todo o tempo aquele mesmo amor e inalterável fidelidade que sempre os caracterizaram para com os seus Augustos Soberanos. A glória de ter por progenitor Amador Bueno de Ribeira pertence a muitas nobres famílias existentes nas Capitanias de S. Paulo, Goiás, Gerais, Cuiabá e Rio de Janeiro, onde são seus ilustres descendentes os da casa de Marapicu, cujo Senhor, o Desembargador do Paço, João Pereira Ramos de Azevedo Coutinho, respeitável por tantos títulos, é 4.º neto do mesmo Amador Bueno de Ribeira, por sua filha D. Maria Bueno de Ribeira, casado com o sobredito D. João Mateus Rendon, seu 3.º avô.

Frei Gaspar. Memórias para a História da Capitania de S. Vicente Hoje Chamada de S. Paulo. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1976. P. 138-142. (Escrito originalmente em 1797).

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