sábado, 25 de dezembro de 2021

A Defesa de São Paulo, por Monteiro Lobato.

MONTEIRO LOBATO


MONTEIRO LOBATO, PRESO PELA DITADURA DO ESTADO NOVO. IMAGEM REPRODUÇÃO DIÁRIO DE TAUBATÉ.


“Após a vitória de São Paulo, na campanha ora empenhada, se faz mister que seus dirigentes não se deixem embalar pelas idéias sentimentais de brasilidade, irmandade e outras sonoridades. O Norte inteiro é nosso inimigo instintivo. O Rio Grande não é amigo. Minas cuida de si. O fato de sermos irmãos não implica amizade e apoio. Temos de nos guardar de todos esses irmãos. Se Abel houvesse pensado assim não teria caído vítima da queixada de burro com que o matou Caim. Consideremo-los como inimigos: se não o forem melhor; se inimigos se revelarem, estaremos preparados para a hipótese.

A atitude única que o instinto de conservação impõe a São Paulo, depois da vitória, deverá expressar-se nesta fórmula: Hegemonia ou Separação. Ou São Paulo assume a hegemonia política, que lhe dá a hegemonia de fato que já conquistou pelo seu trabalho no campo econômico e cultural, ou separa-se. De modo nenhum poderá ficar na posição em que se achava em virtude da Constituição de 24 de fevereiro. Seria um suicídio.

Para efetivar essa conquista não há negociar. Há impor com armas na mão. Medida de elementar evidência depois da vitória será, com absoluto desprezo de todas as leis federais relativas (leis feitas contra nós, na maioria) a transferência para São Paulo do melhor material bélico que esteja em depósito nos arsenais do Rio – aviões, artilharia, munição, etc. Em vez de nos armarmos para uma equiparação bélica com o inimigo é mais barato desarmarmos o inimigo e ficarmos com as suas armas. Desarmando-o desse modo, daremos, ao militarismo federal o primeiro golpe seguro. Ficará ele com os bufos, com a arrogância – e nós com a pólvora e a granada.

O dilema é sério. Ou São Paulo desarma a União e arma-se a si próprio, de modo a dirigir doravante a política nacional a seu talento e em seu proveito, ou separa-se. Continuar como até aqui, a contribuir com setecentos mil contos por um ano para a manutenção do monstruoso parasitismo burocrático e militarístico do Rio de Janeiro – cuja função primordial é agredir e sabotar São Paulo – corresponde a suicídio por imbecilidade.

Temos que pensar nisto muito a sério. A vitória paulista vai nos custar um sacrifício imenso. Guerra significa destruição intensa de riquezas. Nada mais caro que a guerra – e temo-la em casa. Essa vitória caríssima, porém, será miseravelmente sabotada e surrupiada pelos nossos amados irmãos em brasilidade, se no momento oportuno não soubermos agir com a mesma decisão com que estamos agindo agora. Temos que arrancar as armas federais (que o dinheiro paulista pagou) das munhecas dos nossos queridíssimos irmãos antes que eles as voltem contra nós ainda uma vez. Já três em sete anos – 1924, 1930, 1932. Positivamente é demais…

O nosso sentimentalismo é uma forma de romantismo. Romantismo quer dizer criação dum mundo falso, fora de todas as realidades. De todo romantismo o homem acorda, um dia, ferido pelo pontapé da realidade. Ponhamos de lado o romantismo grotesco com que nos procuramos iludir, encaremos de frente a realidade real – como fazem os fortes. Saibamos, convençamo-nos de que Hobbes terá eternamente razão: o homem é o lobo do homem. Saibamos ainda que nunca, jamais, em tempo algum, o fato de ser irmão tirou ao lobo a sua ferocidade de lobo. Aceitemos Hobbes. Sejamos lobos contra lobos. Lobos gordos contra lobos famintos. Organizemos a nossa defesa. Tenhamos até a nossa futura Tcheca interna, nos moldes russos, se for preciso, para a destruição sistemática dos inimigos internos. Itararé está mostrando que quem o inimigo poupa nas mãos lhe morre.

Convençamo-nos de que só há dois caminhos na vida: ser martelo ou bigorna, boi de corte ou tigre. Velha bigorna, velho boi de corte, velha vaca de leite que tem sido, transforme-se São Paulo em tigre. Faça-se todos dentes e garras afiadíssimas, antes que a linda idéia romântica da brasilidade o reduza a churrasco. E oponhamos aviação eficientíssima e metralhadoras das mais modernas às queixadas de burro com que Caim nos pode atacar.”

*A íntegra da carta se encontra no livro “1932 – A guerra paulista”, de Hélio Silva, nas páginas 279 a 283.”

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