ALBERTO SALES
"Suponhamos agora, depois que já conhecemos a teoria, que o separatismo é aplicado à nossa província e que ele passa, de um momento para outro, de simples feitoria imperial a constituir um estado independente. completamente separado do resto da comunhão brasileira, com sua vida governamental à parte, sua administração particular e na plena posse de si mesma, quer em relação à gerência de seus negócios internos, quer no tocante às suas relações exteriores. Quais seriam nessas condições, as consequências que daí poderiam resultar para São Paulo?
É evidente que a primeira consequência seria a autonomia política da província. Uma vez desligada do império, isolada ou não, é fora de dúvida que a sua organização governamental seria inteiramente independente. Seria um novo organismo político que surgiria, um estado perfeitamente constituído, com suas instituições particulares, adaptadas às suas condições de vida especiais e, conseguintemente, mais uma individualidade nacional, que afirmaria a sua existência e que traria claramente traçada a sua rota, nos futuros combates pela vida.
Sendo assim, é fora de dúvida que o novo meio em que começaria a mover-se a província só poderia ser-lhe favorável, quer no ponto de vista do seu progresso material, quer em relação aos melhoramentos de suas condições morais de existência, pelas benéficas e salutares reações que necessariamente haveriam de se estabelecer, de um lado no seio mesmo de sua população, de outro entre o novo estado sul-americano e as demais potências políticas.
No interior, em vista mesmo das profundas transformações porque teriam impreterivelmente de passar as suas instituições, era natural que surgisse da parte dos cidadãos da recente nacionalidade um estímulo novo e mais poderoso para as funções políticas e sociais, ao lado de um aproveitamento mais equitativo, mais racional e mais completo das atividades individuais e isoladas.
Em vez do regime do privilégio e do monopólio, que atualmente caracteriza a nossa vida política, ao ponto de serem as funções governamentais exercidas pelos menos competentes e não pelos mais aptos, como aliás o deveria ser em uma boa organização social, a massa inteira dos cidadãos veria a sua atividade cuidadosamente aproveitada e a intervenção de cada um, na direção dos negócios comuns, em vez de ser uma pura ficção, como presentemente acontece, seria uma realidade viva e palpitante .
Ao contrário dessa organização imperfeita e completamente manca, que hoje possuímos, a constituição governamental do novo estado havia necessariamente de ser um todo perfeitamente homogêneo, com seu departamento executivo , seu departamento legislativo e seu departamento judiciário, claramente discriminados uns dos outros, exercidos por órgãos independentes, e solidariamente responsáveis pela promoção do progresso e do bem-estar geral da nova comunidade,
Outras avenidas, largas e espaçosas, seriam francamente abertas à atividade política dos cidadãos e a lei fatal da concorrência, que só faz com que triunfem os mais fortes e os mais competentes, seria o único critério que decidiria em última instância da sorte dos pretendentes, na luta travada por todos pela posse das funções públicas; de sorte que o resultado desse esforço geral não poderia ser outro senão fazer brotar no espírito público, cheia de energia e de vigor, a plena consciência de nossa autonomia política.
O título de cidadão, aliás tão significativo, mas que hoje soa apenas como um eco amortecido aos ouvidos dos paulistas ou como uma simples legenda descorada e corrompida pelo tempo, surgiria como uma poderosa síntese política, alimentada pelo sentimento coletivo da nova nacionalidade e se tornaria por si um dos mais enérgicos estímulos para o levantamento moral e material da nova pátria.
Por outro lado, as relações exteriores com as potências estrangeiras, estabelecendo uma nova corrente política entre o estado nascente e os outros povos autônomos, havia forçosamente de chamá-lo à comparticipação da vida internacional e, conseguintemente, a tomar parte direta nos grandes banquetes da civilização moderna. Seria uma dilatação incessante da nossa vida social e, portanto, mais uma fonte de melhoramentos e de progresso para a nossa população.
Em troca dessa vida inglória e completamente anônima que leva a província no seio da atual organização monárquica, esterilizando-se de dia em dia nas lutas improfícuas que sustenta contra i terrível Minotauro do governo central, receberia ela pelo separatismo a sagração solene de sua autonomia e, conseguintemente, a suprema garantia de seus direitos e da direção livre e independente de seus destinos. Não há dúvida, portanto, que por este lado incalculáveis seriam as vantagens que para nós poderiam advir do separatismo.
Abrangendo uma extensão territorial superior à de muitos países do continente europeu e podendo comportar perfeitamente em seu seio uma população de mais de quarenta milhões de habitantes, ninguém poderá dizer que São Paulo não possui os elementos necessários para tornar efetiva a sua autonomia política. Como estado independente, ou seja isolado, ou seja federado a outros também independentes, o seu território é mais do que suficiente para o desenvolvimento e uma grande população, de uma poderosa indústria, de um comércio ativíssimo e de uma civilização progressiva, libérrima e cheia de vida.
Foi deputado federal no século XIX e ideólogo republicano separatista. Seu livro A Pátria Paulista, é um clássico de nosso separatismo e foi editado em 1887. Era irmão do presidente Campos Sales.
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