sábado, 2 de outubro de 2021

Comentários sobre a formação étnica de São Paulo

JÚLIO BUENO

24/06/2014

Cuidado senhores, ao querer medir o povo paulista com a régua populacional da Região Metropolitana de São Paulo. A cidade de São Paulo tem 11 milhões de habitantes e a RMSP, como um todo, tem mais de 20 milhões de moradores. É muita gente, sem dúvida, mas não é a totalidade do povo paulista, dos paulistas de hoje, dos de ontem e daqueles que virão no porvir.

Eu sou professor e dou aula a noite numa região bem periférica (bem mesmo) e em minhas salas eu praticamente não tenho um aluno que não seja nordestino nativo ou descendente de primeira geração. Dou aula de manhã numa outra escola, que fica num bairro antigo, mais tradicional na qual eu tenho sala de aula onde os "nordestino-descendentes" não representam 1/10 do total de alunos. Qual é o teu prisma? São Paulo é miscigenada? De que São Paulo você está falando cara pálida?

Se formos falar em termos étnicos -- leiam Alfredo Ellis Junior, Taunay, e João de Scantimburgo, pelo menos -- veremos que na gênese do povo paulista temos a criação de uma sociedade euroamericana, onde existiam três "raças" (termo usado até a segunda metade do século XX para falar de etnia): a raça europeia, a raça ameríndia e a raça mameluca, síntese entre as duas primeiras. Esta foi a realidade de São Paulo nos primeiros anos, em seu primeiro século. Depois até o século XIX, o advento da grande lavoura cafeeira e a adoção do elemento africano como mão de obra, o elemento étnico predominante continuou a ser o europeu.

Ser paulista é sim ser eurodescendente, por que não? O termo pode levantar polêmicas, mas é justo para ser aplicado às sociedades nacionais latino americanas. Em uma ou em outra vemos a maior ou menor influência da cultura europeia. Compare então a Bolívia com o Uruguai, verás que ambos países, ex-colônias castelhanas, são bem distintas etnicamente, mesmo assim devem ser classificadas como euroamericanas.

O europeu que veio pra São Paulo se aculturou, exceção feita a grupos pequenos em redor do estado que guardam elementos culturais como mero "mazombismo" material, ou seja, uma memória que todo eurodescente carrega de sua "pátria" europeia, apenas intensificada pela demonstração material desse sentimento (leia Bandeirantes e Pioneiros, de Vianna Moog), que se manifesta através dos festivais típicos, danças, traços idiomáticos, alimentação, etc. Os italianos aqui chegaram e começaram a andar de pés descalços no cafezal, mascar fumo, usar chapéu de palha, tal qual os paulistas fizeram a vida toda. O mesmo serve para japoneses, alemães, espanhóis, etc.

Na imigração tardia, ou seja, aquela que se deu no século XX é que ainda se guarda uma espécie de laço maior com o estrangeiro. A Mooca não existia antes do século XX como bairro de italianos, e mesmo hoje possui, além da notória contribuição dos ítalo-paulistas aos costumes do bairro, sua cultura e sua identidade, uma demonstração muito "folclórica" desse seu perfil. A nona depois do San Genaro tira o avental bordado, põe-se a cuidar dos netos e a assistir novela como qualquer outra senhora de sua faixa etária, independente de sua origem.

Creio que muitos aqui não tenham a menor noção, mas para as famílias paulistas antigas, ditas "quatrocentonas" era o maior tabú unir-se com imigrantes, fosse da origem que melhor aprouver citar. Seja italiano, alemão, inglês (tivemos muitos ingleses aqui em SP durante todo o período colonial e monárquico, além de escoceses) ou suíço. Isso depois se perdeu. Meu avô paterno perdeu herança por que casou-se com uma carcamana.

Se houve, portanto, a aculturação dos elementos étnicos europeus à São Paulo, de modo a contribuir à constituição da civilização paulista, tal como a conhecemos, por que não haverá de se aculturar também o nordestino? Não existe impedimento lógico para isso que não possa ser removido da marcha histórica de São Paulo. O ilógico impedimento é o Brasil. Apenas o Brasil.

E somente para não deixar de registrar: parem com essa conversa mole de que São Paulo é mais miscigenada do que outras partes da Luso-América. Isso não condiz com aquilo que a história nos mostra, pelos estudos realizados por seus intérpretes. O Paulista existe, você achando que sim ou não. Isso não mudará. "Paulista sou há quatrocentos anos"

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ELLIS JÚNIOR, Alfredo. Os Primeiros Troncos Paulistas. São Paulo: Cia Editora Nacional.
SCANTIMBURGO, João de. Os Paulistas. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.
TAUNNAY, Afonso. São Paulo nos primeiros anos: São Paulo: Editora Paz e Terra.

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